Mais mulheres procuram clubes de tiro. E não só por causa da violência
Fonte: Dinalva Fernandes | Colaboração para Universa | 19/06/2018 04h01 | www.universa.uol.com.br
Quando criança, a empresária Gislaine Schoppan Santos, de 52 anos, brincava de espingarda com o irmãozinho, o que não a impediu de ter medo de armas na vida adulta. Até que, por insistência do marido, aficionado por armamento, decidiu conhecer um clube de tiro. E se apaixonou. “Me encantei com o entusiasmo das pessoas. E percebi que a prática do tiro é concentração. Sou ansiosa, e o esporte me trouxe tranquilidade. Você se concentra e foca para atirar, o que tira o estresse e relaxa.”
Dados dos principais clubes de tiro de São Paulo e do Rio de Janeiro indicam que houve aumento de 40% a 50% de mulheres nos últimos cinco anos. Nos EUA, a participação feminina nestes clubes também aumentou. Porém, a legislação americana sobre armas é bem mais branda do que por aqui: basta ter mais de 21 anos (18, dependendo do armamento), passar por um teste e não ter antecedentes criminais. No Brasil, o processo exige mais requisitos (saiba mais abaixo)
O despachante Cícero Freitas, de 48 anos, que trabalha com o ramo de clubes de tiro há 31 anos, analisa o crescimento das mulheres nesses clubes: “A mulher está mais independente e cuida sozinha da casa, dos filhos e da própria segurança. Antigamente, os clubes eram muito restritos, e elas só podiam entrar acompanhadas de um homem. Havia hostilidade nos clubes e muitas delas acabavam desistindo. Hoje, o trabalho é mais especializado e, geralmente, são clientes com poder aquisitivo alto.”
Ele conta que muitas mulheres usam o tiro esportivo como terapia.“O tiro também é um esporte diferente que não requer tanto tempo para te ajudar a distrair. Tem mulher que chega aqui e atira por cinco minutos. Isso já pode ser suficiente. Outras, pegam quatro, cinco caixas de munição e passam metade do dia disparando”
O perfil é bastante variado, segundo Freitas. “Tem dona de casa, diretora de multinacional, empresária. Quem costuma levar o esporte mais a sério são mulheres com mais de 40 anos. Mas a maioria procura para ter contato com armas. Quando você já conhece uma arma, consegue manter mais a calma em um assalto, por exemplo”
Frequentadora do Clube de Tiro Competition, na zona norte da capital paulista, há pouco mais de um ano, Gislaine conta que a prática de tiro uniu sua família. “Venho com o meu marido e meus dois filhos, de 16 e 18 anos. Alguns familiares reclamam que estou levando meus filhos para o mau caminho, mas não me importo. O fato de conhecer e manusear a arma, me traz mais segurança para a eventualidade de ser pega em um assalto, por exemplo”, explica.
“Meu marido pesca, eu atiro”
A recepcionista Carla Gonçalves, de 38 anos, também tinha pavor de armas antes de conhecer o esporte. “Eu abominava a ideia de tiro, como a maioria da população. Sou casada há 20 anos com filho de militar e achava desnecessário meu sogro mexer na arma na nossa frente. Depois de começar a trabalhar no clube, fiquei curiosa e passei a estudar o assunto. Fui me apaixonando e já participo de cursos e campeonatos. A prática do tiro é deliciosa. O meu marido pesca, eu atiro”, diverte-se.
No caso da estudante de educação física Thalita Nakagaky, de 28 anos, o tiro esportivo entrou em sua vida como opção de esporte. “Estudo educação física e queria algo diferente e dinâmico para a minha vida profissional. Meu namorado já frequentava o clube e decidi experimentar”.
A estudante treina a cada duas semanas e participa de, pelo menos, um campeonato por mês. “No tiro esportivo, é tanta concentração que você acaba se desligando de todo o mundo e se afastando de todas as adversidades do dia a dia. Isso te desestressa de uma maneira sem igual e me ajuda muito na concentração e com a ansiedade. E levo isso para a rua, pois fiquei mais cautelosa”.
Posse e porte de arma.
Falar de armas é um assunto polêmico, pois não costuma ser lembrado como modalidade esportiva, mas apenas associado à questão de segurança pública. Nos últimos tempos, de maneira mais explícita: em uma entrevista, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), pré-candidato à presidência da República, afirmou que toda mulher deveria ter uma arma em casa para se defender “em vez de contar com aquela palhaçada da Lei do Feminicídio. Se a mulher tiver arma em casa, o [vagabundo] não vai fazer besteira’.”
O processo de adquirir uma arma é bem burocrático, mesmo na modalidade de tiro esportivo. Quem tiver interesse em se tornar CAC (Colecionador, Atirador e Caçador) deve obter o CR (Certificado de Registro) com o Exército Brasileiro. São exigidos, entre outros requisitos, laudo de tiro, laudo psicológico e atestado de antecedentes criminais. O valor total do processo gira em torno de R$ 3 mil. Para manter o CR, é necessário frequentar um clube oito vezes por ano e participar de ao menos duas competições. Os laudos são feitos em locais credenciados pelo Exército e Polícia Federal. Depois de três anos, é preciso renovar o documento.
O Exército Brasileiro, assim como a Polícia Federal, não filtra os dados dos CACs por gênero, mas afirma que houve aumento na emissão destes registros nos últimos anos. Em 2017, foram emitidos 32.804 CRs, contra 18.517 em 2016 e 6.493 em 2015. Atualmente, existem 95.823 Certificados de Registros ativos para o exercício das atividades de CAC, dentre os quais, 66.773 são somente de Atiradores Desportivos (homens e mulheres).
A emissão de posse de arma para o atirador é fornecida pelo Exército, mas essa autorização só permite o transporte da arma entre a casa do atirador e o clube de tiro. Andar armado fora desse trajeto é ilegal, de acordo com o Exército, “armas registradas para a atividade do tiro desportivo somente podem ser utilizadas nessa atividade, não podendo ser utilizadas para porte, como defesa pessoal”.
Se o atirador quiser uma arma para se defender, terá que entrar com processo para obter o porte de arma para uso pessoal. Segundo a Polícia Federal, o número de portes de arma concedidos no Estado de São Paulo na modalidade “defesa pessoal” diminuiu. Até 13 de junho deste ano, foram emitidos 53 registros. O número está bem abaixo dos registrados em 2017 (171) e 2016 (156).
Os que têm apenas curiosidade em manusear uma arma – somente ao lado de um instrutor certificado pela Polícia Federal –, pode procurar um clube de tiro e fazer cursos avulsos (a partir de R$ 450), além de alugar a arma (R$ 35, dependendo do tipo) e pagar pela munição utilizada. “Tem dia que você quer dar só 50 tiros, mas, às vezes, você quer dar 200. A caixa da calibre 22, que é a mais barata, custa R$ 240 reais com 300 tiros. Em comparação, só uma bala da pistola 380 custa R$ 10. Não dá para vir toda a semana porque é caro. Não há bolso que aguente”, afirma Gislaine.