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Regulação no Mercado de Blindagens: Os alhos os Bugalhos e a Crise
alho bugalho
novembro 3, 2015

Regulação no Mercado de Blindagens: Os alhos os Bugalhos e a Crise

christian callas  Por: Christian Callas | Director at Coplatex Protecta | http://protecta.net.br

 

* Artigo publicado na revista Blindagem e Segurança, ano 8, ed.88

 

O mercado de blindagens anda bastante agitado depois do dia 28 de junho, quando o Fantástico veiculou matéria denunciando suposta corrupção na avaliação dos vidros de uma das principais fabricantes brasileiras. Nessa mesma matéria também foi questionada a segurança dos capacetes usados pelos soldados brasileiros em situação de GUERRA no Haiti. Para piorar, em 05 de julho, o mesmo programa denunciou o caso do policial rodoviário federal que foi morto por um tiro de calibre 38 que atravessou seu colete nível 3A, que deveria garantir a não penetração de tiros muito mais potentes como os de submetralhadora 9 mm e .44.

Então, como não poderia ser diferente, após essa sequência de denúncias, o mercado foi contaminado por uma sensação de insegurança sem precedentes. O público passou a questionar as blindagens em geral e o exército passou a ser considerado por alguns como mais uma instituição corrupta. O problema é que, neste frenesi, muitos detalhes deixaram de ser percebidos e discutidos. Quem trabalha tecnicamente com blindagens sabe que ter a aprovação de um RETEX[1] é apenas um dos pré-requisitos para produzir proteções balísticas de qualidade, aspecto que tratarei mais adiante neste artigo. Além disso, como em qualquer setor econômico, existem, no mercado de blindagens, empresas boas e más, confiáveis ou não. De um lado, estão empresas e cidadãos idôneos que trazem em sua essência a preocupação com a segurança dos seus clientes e da sociedade.

Do outro lado, há tanto as empresas que operam no limite da legalidade e que não se preocupam com a segurança, mas mantêm documentação em ordem, ainda que não em conformidade com a produção, quanto aquelas que, além de não se preocuparem com a segurança de seus produtos, ainda atuam na informalidade, vendendo produtos sem nota fiscal, nem documentação e muito menos qualidade mínima aceitável. E o pior disso tudo, é que existem compradores para os produtos dessas empresas desonestas.

Conclui-se daí que o problema não pode estar apenas com o Exército Brasileiro, pois, onde há corruptos, há corruptores. E, onde há corrupção, há um sistema ineficiente de incentivos e falha regulatória importante. O sistema de incentivos é ineficiente quando o crime compensa e a falha regulatória surge quando o sistema de fiscalização e regulação não é bem sucedido em fazer valer a Lei (enforcement).

Um sistema de incentivos funciona bem quando os agentes econômicos – nesse caso as fabricantes de blindagens, vidros, coletes, etc. – não percebem vantagem em produzir sem qualidade. Mas esse não tem sido o caso dos produtos a prova de balas, pois existe uma grande assimetria de informação entre fabricantes e consumidor final assim como, em minha opinião, uma importante falha de regulação, fruto de regras inadequadas e insuficientes.

A reportagem do Fantástico sugere que os casos de blindagens, coletes e capacetes que não funcionam são uma decorrência direta de sistemas de corrupção e lapsos na fiscalização. Tudo seria culpa de oficiais do exército em cooperação com empresas supostamente desonestas. Entretanto, minha experiência pessoal como gestor de uma fabricante de blindagens indica que temos que separar os alhos dos bugalhos.

O Exército Brasileiro é uma autarquia com formalidades importantes, protocolos e regras. No DFPC[2], assim como no CAEX[3], trabalham oficiais qualificados. Muitos desses servidores são engenheiros com conhecimentos consideráveis de balística. Em muitas ocasiões, nossos corpos de prova foram submetidos a análises laboratoriais meticulosas e nosso engenheiro foi chamado a prestar esclarecimentos técnicos diversos. Tivemos que informar detalhes sobre nossos fornecedores e também processos produtivos. Tivemos também a oportunidade de testar amostras nos campos do exército em um processo oficial e legal de cooperação técnica. Nestas ocasiões pudemos testemunhar que os testes CAEX são feitos com rigor normativo.

Em um teste balístico muitos oficiais são envolvidos, desde os engenheiros responsáveis pela análise documental até a equipe técnica dos laboratórios de tiros. Em processos assim, complexos e que envolvem muitos profissionais, torna-se mais difícil burlar resultados. Pois o poder de burlar é distribuído e rarefeito, sendo individualmente inócuo. Além de tudo isso, são diversos os departamentos internos do exército que se envolvem no processo de autorização para venda e fabricação de produtos blindados: O CAEX testa os produtos, o DFPC fiscaliza a documentação das empresas de dos seus sócios, de CETESB a Alvará, e as regionais vão a loco em inspeções físicas, reais para atestar se o que consta nos documentos reflete a realidade.

Certamente há falhas de estrutura, efetivo, falta de recursos, fiscalizações, conferência de documentos e não se pode negar a possibilidade de corrupção neste intrincado e complexo processo fiscalizatório. Mas, por outro lado, não se pode atribuir a ineficácia regulatória ao Exército, pois o sistema de controle carrega uma falha intrínseca importante.

Caso uma empresa quisesse produzir uma blindagem ou colete de qualidade insuficiente ela não precisaria, em princípio, corromper ninguém. Pois para que obtivesse uma autorização para fabricar e vender proteções balísticas bastaria que se produzisse uma amostra qualificada para o teste e que fosse uma empresa regularmente funcionando com condições mínimas de segurança. Mas esta empresa poderia, se assim o desejasse, produzir artigos diferentes daquele testado e aprovado no CAEX.

Não existe, no sistema regulatório vigente, um mecanismo de fiscalização da produção, dos processos e da qualidade. Durante as inspeções que tivemos em nossas instalações, as equipes fiscalizadoras foram bastante detalhistas, nos questionando sobre alguns aspectos de controle de qualidade e até nos pediram provas de que a matéria prima que utilizávamos seria a mesma que especificamos no RETEX. Houve, portanto, boa vontade dessas equipes que até fizeram mais do que poderiam.

Mas não é escopo do Exército realizar testes balísticos em materiais vendidos e produzidos condições reais e usuais. O Exército testa apenas amostras submetidas para fim exclusivo de Retex.

Em outros segmentos da indústria, como o de equipamentos médicos, brinquedos e têxteis, colchões e, notavelmente, “vidros de segurança para para-brisas de veículos” (inmetro.gov.br/qualidade/produtos, processos e serviços com conformidade avaliada) esse tipo de fiscalização é realizado pelo Inmetro. Nesses segmentos o Inmetro fiscaliza e pode, inclusive, exercer o poder de polícia administrativa (M dos Santos Monteiro – 2009 – inmetro.gov.br), caso necessário. A declaração de missão do Inmetro demonstra que o foco dessa autarquia é harmonizar as relações de consumo, o que faz através de diversos mecanismos dentre os quais destacam-se a fiscalização e a verificação da conformidade, cujos conceitos esclarecem-se a seguir:

MISSÃO:“(…)prover confiança à sociedade brasileira nas medições e nos produtos, através da metrologia e da avaliação da conformidade, promovendo a harmonização das relações de consumo, a inovação e a competitividade do país.”

Podem-se destacar os dois mecanismos de que se utiliza o Inmetro para fazer valer seu objetivo e razão de existir. Segundo Marcelo Monteiro, chefe de fiscalização do órgão, podem-se utilizar a fiscalização, que é a “análise do aspecto formal, ou seja, verifica se as exigências legais foram obedecidas pelo fornecedor do produto. Exemplo: identifica fornecedores que não submeteram seus produtos a uma avaliação da conformidade estabelecida no regulamento e aplica punições (multas) a esses infratores.” e a Verificação da Conformidade que é “a analise do aspecto intrínseco do objeto em questão, ou seja, são recolhidas amostras de produtos que tenham atendido às exigências formais, sendo esses produtos submetidos a novos ensaios, com vistas a evidenciar que estão sendo mantidas as condições para as quais a conformidade do produto foi atestada. Serve para realimentar o processo.”

Nota-se

Que o problema relatado na mídia foi consequência de possíveis não-conformidades. Não pretendo aqui discutir se as empresas DENUNCIADAS tinham ou não irregularidades no seus “aspectos formais”. Entretanto, o que ocasionou as denúncias foi o fato desses produtos terem sido considerados não conformes em situações reais de uso (caso do colete e capacete) ou em testes formais visando atestar a eficácia (caso dos vidros).

Assim sendo, ainda que haja inúmeras falhas na estrutura do Exército, não faz parte da atribuição rotineira desse órgão verificar se os produtos saídos das linhas de produção das indústrias estão ou não conformes com os produtos aprovados nos testes balísticos. O resultado dessa lacuna foi que agentes privados, associados ao Ministério Publico e à imprensa, realizaram testes sem a inspeção de um órgão com a autoridade técnica necessária.

Depois disso, diversos videos que procuram refutar os resultados dos testes apresentados pelo Fantástico foram viralizados na internet. E a indefinição sobre o assunto continua.

Segundo o físico Albert Einstein “A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos.”

Então, não seria o caso de mudarmos o foco? Por que, em lugar de evidenciar a corrupção, não discutir o complexo de fiscalização e verificação da qualidade, dando nosso apoio a essa importante autoridade de fato e de direito, que é o Exército, para a implantação de um sistema mais justo e eficaz?

[1] Relatório Técnico Experimental de teste balístico realizado nos campos de provas do exército, aprovando ou reprovando a eficácia de uma amostra de blindagem para o nível de proteção que a mesma se propõe;

[2] Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados

[3] Campo de Avaliação do Exército

 

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